DEZ AVES PARA A
ELISABETE MARQUES
I
Colibri
Entre o indicador e o mindinho
dez ninhos sonham pousar o seu
corpo prateado. Dentro deste teu
pulso brilham as lantejoulas do mel.
Sobe à minha traqueia e voa.
II
Andorinha
No voo aplanado do dorso
o tempo deslizou imóvel na
surpresa do vento. Lágrimas
corriam-lhe pelo rosto até
fim do crepúsculo. Sentado
no vento o velho decifrava
as geometrias da dança.
III
Cisne
Dois cines existem sob os olhos
o braço que se enrola noutro braço
a pena da vida e a pena da morte.
Foi no seu pescoço que a morte
escondeu a chave da sua morte.
Por isso dança em redopio a
beleza frente aos nossos olhos.
IV
Pavão
O rei da luxúria na sua pele
de mil olhos foi desejado por
todas as fêmeas do jardim.
As mais velhas ainda contam
as lágrimas dos seus desamores
ao fim do dia quando sobre
a terra batida ele passa.
V
Flamingo
As rosadas nuvens do céu azul
dançam lentamente ao fim do
dia. Roubaram ao crepúsculo o
fogo e repartiram entre si o ritmo
fogo e repartiram entre si o ritmo
do elegante sangue. Na distância
caem e enchem o lago de coral.
E a noite leva-lhes a canto.
E a noite leva-lhes a canto.
VI
Milhafre
Com penas malhadas de teimosia
come a ave de rapina ratos de
Lisboa. Apenas os surdos
ouvem o grito que lança sobre a
ouvem o grito que lança sobre a
vasta planície da ilha. Ao cair
da noite afundam navios e
dão a comer ao ninho pardais.
VII
Condor
Cobrindo toda a montanha o
seu negro manto assusta todo
e qualquer homem e no entanto
traz dentro de si o mais doce
e esbelto coração de carne.
Houve quem o desenhasse em
puro ouro e em esmalte branco.
VIII
Priolo
Como ao grão de milho tão
pequeno entre os dedos e
tão grande sobre a cómoda.
Cantor de verdes pastos senhor
e servo da ganhança dos homens.
Fiel amigo da vibração do vento.
IX
Cegonha
Rainha de branco e preto sobre
a planície alentejana entrega a
ternura dos que dormem no
calor das tuas chaminés de palha.
Dá aos homens o teu refinado bico
para com ele o tempo fiar.
para com ele o tempo fiar.
X
Corvo
Caída a noite os puros levianos
entregam-se ao desprezo. hoje
dançam sobre as nossas campas
estes cenotáfios de cimento e sem
nome esquecidos nos subúrbios
da devastada cidade do futuro.
E de campa para campa a mesma
pata sobre a campa selando união.
estes cenotáfios de cimento e sem
nome esquecidos nos subúrbios
da devastada cidade do futuro.
E de campa para campa a mesma
pata sobre a campa selando união.
Vítor Teves, 23.03.20; [1º versão]
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