LAMARIM FALA DO TÚMULO



                                          a todas as mulheres vítimas
                                             dos homens e do Tempo
                                           


                          I


Se chorei por ele? Não não chorei por esse
desgraçado mas pelo dinheiro do caixão.
Fui descalça mas livre como uma gaivota
sobre as rochas negras desta terra pedir
ao Senhor Padre que me dissesse a missa
de graça e que me ajudasse a pedir ao Dr
José de Almeida o dono do talho os 100
contos para o caixão. Pedi à vizinha de
cima o xaile preto e fui chorando porta
sim porta não fingindo a dor que não tinha.
Chorando não! Aquilo eram apenas gemidos
pois as lágrimas essas desgraçadas não
apareciam. Quanto mais forçava mais elas
me fugiam pela cara acima. Era preciso
que elas viessem para provar o quanto
eu era uma mulher decente. Um útero
útil à terra estéril que me atirou a um
canto seco. Forçava as lágrimas e quanto
mais forçava mais eu sorria de alegria.
Livre desse desgraçado para sempre!
Mas quando a terra cobriu aqueles 100
contos que eu nunca tive aí sim eu chorei
que nem perdida por essa besta que me
batia até deixar-me toda negra e com o
sangue a pingar-me por entre os lábios.


Já algum dia viste tamanho pranto de
viúva neste cemitério? Estou arrepiado!




                          II


Se chorei por ele? Chorei tanto até não
ter sangue dentro de mim. Rasgou-me
a morte o rosto o peito o útero a alma.
E ainda morta choro esse filho que a
pobreza da vida me retirou dos braços.
Seca fui vê-lo a enterrar cada pá de
terra era a minha cara seca impávida.
Nunca até hoje ninguém retirou-me
esta dor nem mesmo a morte. É por
isso que sempre fui alegre aos olhos
das que conversam comigo no degrau.


Ela nunca está calada! Uma pessoa
só se ri com aquela velha corisca!




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