O RELÓGIO DE CUCO

 

Na velha sala aristocrática o velho

pintor cheio de medalhas desfilava

pela tarde todos os enormes troféus

de luz. Amontoara prestígio e troféu

atrás de troféu ganhara subtil voz!

Parecia um Benfica na província!

De pantufas e robe de cetim pedia

clemência todas as vezes que o cuco

vinha retirar-lhe mais uma preciosa

hora à sua garganta de seco melro.

Insistente o relógio ditava hora após

hora novo parâmetro novo rumo nova

e roubada ideia e isto irritava a luz da

velha galáxia. Era ao grito do cuco

que lhe lembrava da lista de pessoas a

que devia pedir desculpas pelo uso e

abuso da sua inteligência. Como bom

artista que era sabia bem que não tinha

ego para suportar outro de menor porte.

Assim era ele na sala de pantufas onde

ditava longas ideias inteiramente origi

nais fruto de muitas leituras - a ler e a

roubar a tantos outros. Mas estava

convicto como bom artista que era que

tudo o que tinha era exclusivamente

fruto da sua inteligência. Todos os

cérebros precisam para sobreviver à

selva de ser falsamente extraordinários.

Sem tão grande mentira como podiam

os grandes impostores viver da arte?

 

Sentado no cadeirão da mais velha luz

a do tempo mais antigo estava convicto

que viver no presente em círculo era a

maior das inutilidades. Era um ato bárbaro

de rompimento do tempo sobretudo para

ele que ansiara longo tempo pelo futuro

- a verdadeira eternidade! Nunca havia

compreendido durante toda a vida que a

eternidade estava ao seu alcance e isto

irritava-o! A sua luz é que era luz eterna

a única a destemida a verdadeira digna

de louvor e de temor. Era para negar-lhe

a eternidade que o cuco vinha insistente

relembrar-lhe que o ato de perdão era um

ato permanente de verdadeira e forte luz!

 

Fê-lo o pedido de desculpas no segundo

quarto do segundo final da sua morte!




Comments

Popular posts from this blog